Quando alguém chega de novo a um sitio, sente-se como que perdida, não compreendendo o que encontra à sua volta, como que tudo fosse caótico.
Depois, pouco a pouco, tendo em conta a sua personalidade, os seus interesses, vai conseguir situar-se nesse novo espaço, compreendendo e demarcando aquilo que lhe está próximo, o que está distante, o que procura, o que afasta.
Por fim, e só depois consegue racionalizar o espaço, conseguindo mover-se nele, deixando de o considerar o Caos.
Digamos que, tal Arquétipo Universal, consegue estabelecer uma ordem nos elementos que existiam.
Assim foi comigo, assim foi decerto com todos e todas aqueles e aquelas que de repente se sentem mergulhados em algo que lhes é estranho.
Desde que tenhamos um centro, tudo o resto é fácil demarcar.
Esta constatação banal, corriqueira da nossa vida, assume uma importância e uma profundidade que nos faz pensar, ainda que imperfeitamente, que este comportamento é repetido desde o incio dos tempos, muito possivelmente desde a criação do Mundo.
Demonstrando, mais uma vez, que tudo é Uno.
Demonstrando, mais uma vez, que tudo é Uno.
A este propósito lembro-me de uma passagem do livro de Mircea Eliade, "Ferreiros e Alquimistas", que devorei há algum tempo atrás e que hoje recordei, tendo percebido que existe uma semelhança enorme entre o comportamento que um Homem adopta quando se depara perante o desconhecido e a construção de um templo cristão e consequentemente com a criação do Universo, do Mundo e do Homem.
Vejamos:
Ensinava Eliade sobre a forma como se constrói um templo cristão.
Dizia Mircea que a construção de um templo é um arquétipo da construção do Mundo.
Consequentemente, digo eu, a criação da Ordem a partir do Caos.
De facto, no Caos tudo existe, mas não está estruturado segundo um determinado principio, tudo está misturado.
Tal como no caso do Tempo que se depara com um terreno que é ainda profano.
Tal como no caso do Tempo que se depara com um terreno que é ainda profano.
Eu que não sou católico, (nem deixo de o ser), não posso contudo deixar de recordar a esse propósito o Génesis "começou por separar as águas" "separar a noite do dia", etc, etc (ou algo parecido porque não tenho aqui à mão o Antigo Testamento).
Ainda hoje "separar as águas" é sinómino do primeiro empreendimento que deveremos fazer para esclarecer determinado assunto...para obtermos ordem em qualquer confusão.
E assim fica-nos claro que no Caos tudo já existe, mas não há uma separação entre os elementos que o constituem, sendo inexistente a relação
O Norte existe em relação ao Sul, a noite em relação ao dia, etc, etc.
A dialéctica é assim própria da Ordem, e se a ela juntarmos o principio unificador, teremos a Ternário, Trindade ou Triáde....
E aqui voltamos ao pobre do Mircea Eliade que ficou lá para trás.
Para que o Templo Cristão se implante, (e este entendido como arquétipo da criação do mundo), é necessário haver um norte, um sul, um este e um oeste. Para que possa ser orientado. ( virado para oriente....)
Ora no Caos não existe nada disso.
E como é que Mircea aborda esta questão?
Refere ele que por isso é que os Templos são construídos da seguinte forma: ( estou a lembrar-me pelo que posso falhar com algum romanceamento).
Num terreno começa-se por espetar um pau. Uma vara alta. Ela será assim o Eixo do Mundo, o Omphalus, o Umbigo. Fiat Lux.
O Caos começa a deixar de ser caos, porque passa a ter um centro, um centro que torna tudo mensurável em relação a ele. Mas também o Feminino e o Masculino.
Passamos a ter comparação e relação. Deixa de estar tudo misturado. Passamos a ter um principio, um ponto...
Depois traça-se um circulo em relação ao centro com um pau e uma corda atada à tal vara que se espetou no inicio da construção. Teremos então o dentro e o fora do circulo, o que está proximo do principio e por ele delimitado e o que está para alem.
Assim teremos o mundo criado, que está dentro da ordem, e fora do circulo teremos o caos.
Na construção do Templo Cristão chamaremos a este circulo então o terreno sagrado.
Sagrado porque está centrado num principio, e foi retirado ao Caos, através da delimitação.
Depois cumpre dotar o terreno sagrado de elementos que permitam orientar o templo.
Assim, observar-se-a o nascer do sol.
Onde a sombra tocar no circulo teremos o Oeste ( o Sol nasce a Este).
Observando o ocaso, teremos a sombra a tocar no posto Este ( o sol põe-se a Oeste).
Para ser perfeito terá que ser feita esta operação aquando de um Equinócio, em que o Sol nasce a Este e põe-se precisamente a Oste.
Constatamos assim que é o Sol, a Luz, que nos dará a medida do mundo.
Já temos um circulo, com um Este e um Oeste.
Para se Obter o Norte e o Sul, bastaria esquadrar-se estas posições.
Mas não é assim que o Templo Cristão é feito.Não é assim a criação do mundo.
E por duas ordens de razões:
Ele, o templo cristão, está sempre orientado com o Altar ( ou estava originalmente quando a arquitetura sagrada presidia à sua construção...) virado para o Nascente ( o tal Orientar...virar para oriente) e a porta para Poente.
Desta forma o que nos interessa agora obter são os pontos colaterais e não o norte e o sul ( mas sim o Nordeste, Sudeste, etc), para assim podermos colocar nesses pontos as pedras primordiais que posteriormente permitirão aos Mestres a conclusão do templo.
Por outro lado estamos ainda na criação da Ordem, pelo que este trabalho é de diferente natureza do trabalho de construção do templo. Uma coisa é criar o homem, a outra é a vivencia do homem. Esta ultima cabe-nos a nós, aquela primeira...ao criador ( tenha ele o nome e forma que quiserem dar).
E o criador cria com compasso. Faz círculos. O Homem é que esquadra...faz quadrados.
Assim a obtenção desses pontos terá que ser feita com compasso. E desta forma não teremos o Norte nem o Sul.
Por isso é que, e voltando a Mircea Eliade, na Construção do Templo Cristão obtinham-se os pontos colaterais, colocando uma corda na vara que ficou a marcar o Este, e atando uma outra vara, no cumprimento de corda entre este e a vara que foi colocada inicialmente, ou seja pela distancia entre o limite do mundo e o seu principio....para que tudo fique dentro, com a mesma medida.
E assim, traçando novamente um circulo com o raio igual ao raio do circulo inicial, iremos tocar neste, precisamente a Nordeste e Sudeste, e do outro lado a Noroeste e Sudoeste.
E assim obtivemos o quadrado.
Este processo, simples, e que realmente era utilizado, (por quem sabia o que fazia), recria a criação do Universo ( circulo) e o mundo (quadrado).
Torna a construção do Templo Sagrada, porque repete a criação do Universo, da Terra e do Homem.
Vai ser nesse quadrado que se colocarão as pedras basilares para construção do templo.
E assim, novamente nos apercebemos o que significa verdadeiramente o Templo de Deus...O Homem.
Tudo tem um sentido. Tudo obedece ao mesmo principio, à mesma forma de actuar.
Basta pensar um pouco e olhar à nossa volta
Tudo tem um sentido. Tudo obedece ao mesmo principio, à mesma forma de actuar.
Basta pensar um pouco e olhar à nossa volta
Nós temos um umbigo....Omphalus.
As cidades têm um centro,
O mundo tem um núcleo
O sistema Solar tem o sol
O sol tem o centro da galáxia
As galaxias têm o grande atractor....
E tudo no mundo gira em volta de um principio, de uma vara que foi colocada inicialmente no Caos, para depois, se tirarem as medidas da Ordem.
E esta compreensão do mundo tem-me ajudado:
E assim voltamos ao incio da história:
Quando cheguei aos Açores, tudo me parecia confuso, não conseguindo separar as várias realidades que existiam neste espaço.
Para mim existia assim o Caos ( é que Caos e Ordem se calhar são conceitos relativos, dependendo do observador e não são verdadeiros estados absolutos...em bom rigor a medida não é criada por aquele que quer saber a distância entre duas realidades?).
Lembrando Mircea, desde que cheguei, procurei logo o centro...o meu centro, que depois utilizaria para separar, para medir o que me estava mais próximo e o que estava mais distante. Tendo em conta o tamanho da corda que queria usar...
E assim fiz. E hoje sei o que está dentro e o que está fora. O que procuro e o que afasto.
Bem próximo dele, e seguramente dentro, está, por exemplo, a Academia de Juventude da Praia da Vitoria e o seu pessoal.
Lembrei-me disto porque ao passar por lá, vi uma máquina pinhole colada na varanda, virada para Este,
Esta câmara vai ficar até ao solstício de inverno colocada na varanda da Academia, tendo lá sido posta pelo Prof Rogério.
No fim, teremos uma visão da Baia da Praia da Vitória, como nunca ninguém a viu.
Quatro meses numa só imagem... imagem e tempo num papel de sais de prata.
Esta câmara vai ficar até ao solstício de inverno colocada na varanda da Academia, tendo lá sido posta pelo Prof Rogério.
No fim, teremos uma visão da Baia da Praia da Vitória, como nunca ninguém a viu.
Quatro meses numa só imagem... imagem e tempo num papel de sais de prata.
Camara Pinhole / Estenopeica na Academia de Juventude da Praia da Vitória - Açores |
Vista sobre a Baia da Praia da Vitória - Açores, no enquadramento aproximado da Câmara Pinhole / Estenopeica |
2 comentários:
Para criar a Ordem no Caos, há um momento para centrar o Mundo. O momento certo, o que dá sentido ao nosso caos. Por vezes uma viagem, por vezes uma imagem, por vezes um encontro. A partir desse momento, pela Luz começamos a construir o nosso Templo. Há muito que o sabes, meu Irmão. Nessa construção te fazes, como alguém já o disse, alquimista da luz. Traças-lhe o caminho com todo o rigor, para determinar com precisão os pontos onde se alicerçam os pilares da catedral. Por um "pinhole" passa toda a Luz do Universo, conduzida pela divina mão humana...
E mais uma vez se manifestou o Grande Arquitecto pela Beleza, Força e Sabedoria das tuas palavras.
Enviar um comentário