quinta-feira, 9 de agosto de 2018

As cinco máquinas de fazer e fotografar Poemas







Há um bom par de anos, diria, uma dúzia deles, assisti em Beja a uma actividade desenvolvida pelo Miguel Horta, denominada de Projecto Columbina que na sua essência consistia numa sessão de escrita criativa centrada num recurso denominado de  "máquina da poesia".

Foto de Pedro Horta, em que José Fanha se prepara para lançar um pombo em Beja


Em traços largos procede-se à criação de poemas, com recurso a tal "máquina" que cruzando nomes, verbos, adjectivos, facilitará o surgimento dos mesmos.

Daqui parte-se para a sua divulgação. O Miguel nessa altura utilizou pombos aos quais foram atados poemas nas patas e que, partindo de regresso a casa, os levaram consigo, para os outros miúdos e graúdos. No sentido inverso vieram os pombos de lá.

Foto de Pedro Horta em que um "graúdo" recebe um poema-correio em Beja, acompanhado de Cristina Taquelim e Miguel Horta



Esta máquina é a base da actividade e já a vi usada noutros projectos, como o Sussurradores do  Miguel Horta em que os poemas criados são sussurrados nos transeuntes.

Direitos: Miguel Horta
Sofia Maul sussurrando a António Torrado


Há 12 anos que admiro a simplicidade e capacidade desta máquina e das suas múltiplas utilizações, como se fosse um motor de vapor que ora implantado num automóvel ou numa máquina de tecelagem, vai permitindo o funcionamento desta ou daquela empresa.

Admiro igualmente a forma e a bondade do próprio Miguel em explicar o seu processo, e em incentivar os mediadores e actores a desenvolverem as suas próprias actividades com base no mesmo.


Parti então para a construção de uma actividade de mediação, não exclusivamente de leitura, moldável a diversos públicos e propósitos, que, partindo da ideia da máquina da poesia, aliasse a abstracção da imagem, através da inclusão da Técnica fotográfica denominada de Pinhole, criando assim as "5 máquinas de Fazer e Fotografar Poemas".





Esta actividade passará a integrar os projectos que irei desenvolver no âmbito da divulgação da Fotografia alternativa, estando já agendada a sua realização na Ilha Terceira em breve.

Contudo, porque admiro a forma como o Miguel divulgou e incentivou a utilização das suas ideias pelos outros, com vista a que mais jovens e menos jovens tivessem acesso a mediação de qualidade, também eu descrevo e deixo à critica este projecto, estando desde já disponível para aprofundar um outro ponto mais obscuro, em especial os que carecem de alguma técnica. 

Assim aqui vai:



"AS CINCO MÁQUINAS DE FAZER E FOTOGRAFAR POEMAS" 
Projecto de Mediação da Leitura e da Criatividade
Por Pedro Horta, baseado numa ideia de Miguel Horta


Palavras-chave: Mediação de Leitura; Fotografia Alternativa, abstracção, verbalização da imagem, dinâmica de grupo, interacção social, reciclagem e reaproveitamento, magia e fantasia.

Actividade a desenvolver com um grupo de pelo menos 2 elementos, mas preferencialmente 5 grupos de 2, com uma duração de 6 horas, seguidas, com intervalo ou intercalada em dois dias diferentes.

Material necessário: 
5 latas/caixas já preparadas para fotografia pinhole (ver aqui), pintadas de negro e com furo, com abertura por cima. 
5 folhas de papel fotográfico (sais de prata)
6 folhas de papel branco A4
5 canetas ou lápis
1 Pc + projector + digitalizador ( tudo opcional)
2 salas, uma de actividades com ou sem cadeiras e outra para câmara escura (wc interior com tomada)

Para Laboratório:
1 lâmpada vermelha de segurança
2 tinas e um balde ou alguidar
1 secador de mão
Fixador Comercial ou Tiossulfato de Sódio ou Sal de Cozinha
Revelador Comercial ou 2 gr de Vitamina C + 4 colheres de carbonato de sódio ou detergente em pó da roupa. (ver aqui e aqui)

Descrição e Desenvolvimento da Actividade:



1. Ao centro da sala são colocadas 5 latas pretas vazias, mas tapadas não deixando ver o seu interior, cada uma com o seu número.
2. Os destinatários são colocados à sua frente, convidados pela disposição da sala ou das cadeiras. sendo-lhes dado tempo, não forçado, de observação. O mediador pode fingir estar à procura de caneta ou algo.

3. Procede-se à apresentação individual e à selecção dos grupos através de sorteio ou outra técnica quebra-gelo de forma a quebrar laços pre-existentes de afinidade na construção dos grupos. Não aplicar se for actividade destinada a pais e filhos em que se pretende precisamente o contrário.
4. é então dito que a actividade consistirá em " Construir e fotografar poemas" e que para tal iremos utilizar estas fabulosas e estranhas ( a adjectivação depende do público) Máquinas de Construir e Fotografar Poemas.
5. Os destinatários são então convidados a mexer, abrir e ver a latas por dentro e por fora.
6. Os mesmos constatarão que são apenas latas vazias, sendo então dito que em breve irão perceber que são mesmo máquinas de construir e fotografar poemas e que aprenderão a trabalhar com elas.
7. Conseguiu-se assim cativar a sua atenção para a actividade.

8. Como funciona? -perguntarão alguns. 
9. Afirma-se então que cada máquina, como qualquer máquina, precisa de combustível para trabalhar. 
10. Então cortaremos uma folha A4 em 12 pedaços de papel.
11. Diremos então que para esta primeira máquina trabalhar teremos que a encher de "nomes".
12. Aqui reme-te para o processo da Máquina do Miguel Horta, em que nas latas teremos  na 1 nomes, a "2 será ocupada com verbos, a 3 de novo com nomes à semelhança da casa 1, a 4 com nomes abstractos (exemplifico com: “sabedoria”, “Amor”, “coragem”, “sabor”, “inteligência”…) e a casa 5 com adjectivos".
13. Assim cada grupo colocará dois nomes na primeira lata , repetindo-se o processo até ao fim.

14. Passamos então à construção do poema, seguindo a ideia original.
15.  Afirma-se então que a máquina está pronta.
16. Explica-se como se constrói um poema, retirando um papel de cada lata, transformando então o recolhido em frase. Pode-se exemplificar para consolidar. Veja-se o quadro abaixo de exemplos de palavras que podem ter sido depositadas. Poder-se-ia construir: "Poeta encontra um verso com sabedoria doce".

Direitos: Miguel Horta

17. Cada grupo criará assim o seu primeiro poema e observará os dos restantes. Pode-se realizar tirando apenas um papel de cada lata ou escolhendo entre três, por exemplo. Neste caso a actividade diverge do original porque as palavras estão na máquina e ela como que "debita" o resultado.
18. Nesta altura entraremos na preparação da segunda fase da actividade, propondo-se a criação de um segundo poema, mas sem se revelar o mesmo, por agora, aos restantes.
19. Cada grupo tirará 2 papeis de cada maquina e escolherá um, passando à seguinte onde repetirá o processo.
20. No fim terá, cada grupo, 5 papeis que poderão servir à construção de novo poema. Mas não o farão.
21. Cada grupo apontará, secretamente, as 5 palavras escolhidas e, baralhando, entregará ao grupo à sua esquerda. Desta forma não estará preso à sequência lógica das latas, podendo intercalar nomes e adjectivos e verbos à sua vontade.
22. Cada grupo receberá assim 5 palavras, não revelando aos restantes quais são.
23. Pensará sobre as mesmas e concretizará um poema sem o dizer alto, mas escrevendo-o num pedaço de papel que guardará.

24. Fotografar um poema.
25 Será então dito que cada grupo terá que mostrar o seu poema aos outros, através de um fotografia e que para isso terá necessariamente que utilizar a máquina que fotografa poemas.
26. É explicado que ela necessitará de papel para funcionar, mas agora de um papel em branco onde a máquina possa desenhar a fotografia.
27. Recolhem a uma câmara escura e colocam sob a luz de segurança um papel fotográfico no seu interior, bem como os papeis com as palavras escolhidas. (que é para a máquina saber o que fazer!).
28. Os procedimentos sob câmara escura poderão ver neste blog.
29. é dito que tal máquina irá fotografar o poema, mas para tal terão que encontrar a imagem que reflicta o poema escolhido, quer no conjunto quer nos seus elementos constitutivos ( saltar, inteligência, poeta, etc.).
30. Aqui os destinatários irão desmontar o poema nos seus elementos, reflectindo e apreendendo-os a fim de os re-montar ma imagem que irão fotografar.
31. De seguida sai-se para a rua, para a cidade, afim de reobservar e reinterpretar os seus elementos, procurando sinónimos dos elementos que constituem o poema escondido. Como que visualizando nas ruas, nos prédios, nas pessoas, os adjectivos, verbos e nomes que a máquina criou. Como se a cidade fosse feita de vários poemas.
32. No exterior explica-se que a máquina demora cerca de 30 segs. a fotografar e que escolhida a imagem deve-se destapar o furo e contar até 30, voltando a tapar ( o tempo pode varia conforme as condições de luminosidade).
33. Explica-se ainda que como a fotografia demora tanto tempo a tirar, os objectos que estejam em movimento, vão ficar a "mover-se", a saltar, a pular, a voar. ( tal como os verbos da máquina).
34. Obtidas as imagens regressa-se à sala.
35. Explica-se que este papel precisa de uma poção mágica para a imagem aparecer.
36. Faz-se então um revelador caseiro com vitamina c e detergente da roupa e um fixador com tiossulfato de sódio ou sal de cozinha ( neste ultimo caso deixar de um dia para o outro na sala ou digitalizar de imediato no escuro).
37. No Laboratório cada equipa abrirá a sua lata, constatará que o papel no seu interior está em branco e verá aos poucos a imagem a aparecer quando for mergulhado no revelador. Explica-se o processo. Fixa-se e pede-se para lavar em água no exterior e não mostrar aos restantes por enquanto.
38.º Se houver um 2.º colaborador ou voluntário da entidade, irá digitalizando e invertendo as imagens para serem projectadas. Se não houver computador cada grupo guardará no interior da lata, depois de lavada e seca, a sua fotografia.
39. Cada grupo, um a um, abrirá a sua lata, tirará as palavras soltas que recebeu. Depois de as mostrar, sem revelar o poema que fez, mostrará a sua fotografia.
40. Cada grupo procurará descobrir o poema através das palavras e da imagem obtida.
41. O grupo mostrará então o poema, justificando a sua opção e mostrando onde estão os elementos que procurou captar.
42. Teremos então concluída a montagem, desmontagem e remontagem do poema e da imagem, reflectindo sobre os seus elementos constitutivos e demonstrando que o poema vai para além das palavras que o constituem.

42. Fim das actividades.
Conforme os grupos e objectivos poder-se-á lançar a discussão final sob a égide de perguntas:
- A titulo de exemplo: O que afinal eram estas máquinas? Onde nascem os poemas? O que é uma cidade? Se as máquinas estavam vazias então o que as fez funcionar? Se passaram a ver a poesia de outra forma. Se passaram a ver a tecnologia de outra forma, etc.



E assim fica a minha sugestão de actividade, construída com base no ensinamento dos grandes que aqui deixei em imagem, mas também com base na experiência dos 15 anos de formação de fotografia junto de públicos mais novos, e tão diversos.
Nelas aprendi que com uma lata vazia se pode falar de fotografia, de direitos humanos, e dignidade, de ensino....

Usem, aproveitem e se tiverem alguma dificuldade mais técnica, estarei aqui deste lado...sempre!
















(deixo preparado para copy paste, esperando apenas a divulgação da autoria).

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