sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Desabafo em jeito de fim-de-tarde

Quando era jovem, fui atacado por um surto de acne que que me deixou marcado para o resto da vida.

Acho que tive borbulhas desde os 15 anos até aos 30.

A minha cara era uma grande borbulha, que não desaparecia com clearasil, roacutan e outras drogas.

Aos poucos fui-me isolando. Não gostava de sair de casa.
À noite, sentia-me melhor.

Deixei crescer o cabelo e coloquei cinco brincos. Assim escondia a cara e afastava a atenção da face para os lóbulos das orelhas.

Por tudo isso, não olhava de frente para as pessoas e não tive tantas namoradas como eu desejava.

Lembro-me de um dia em que duas velhas ( decerto que já morreram) terem parado à minha frente e, espantadas, assustadas, benzeram-se, exclamando: "coitadinho".

Lembro-me de no refeitório da escola haver miúdos e miúdas que se levantavam quando eu me sentava para almoçar à sua frente.

E assim cresci. Envergonhado, no meio de traumas.

Hoje tudo passou. Fisicamente.

Mas de quando em vez, quando me olham mais fixamente, desvio a cara. É reflexivo.


Hoje recordo com algum humor esses tempos, mas bem sei que nunca poderei aspirar ao mundo da "passe-rele", da alta moda.

Mas nada me impede de ser mais um, igual aos outros, e de até, por vezes, me sentir possuidor de um "je ne sais quoi".

Não posso, contudo, é admitir que alguém, pegando nalguma insuficiência estética que eu possa ter, a utilize para me rebaixar e reduzir ao zero.


Acerca disto lembro-me de uma história contada pelo meu pai, acerca de uma qualquer comissão cultural que havia na Música Velha de Grândola, antes do 25 de Abril.

Alguém com muito esforço, vencendo o medo, e as suas limitações, colocara um qualquer aviso, ou texto numa vitrina daquela associação.

Houve logo uma ou duas senhoras, hoje ditas antifascistas, e muito respeitadoras da cultura popular, que se puseram a gozar com os erros ortográficos e gramaticais de tal papel.

Reduzindo a zero todo o sentido que ele tinha. Envergonhando a sua autora. Que vencendo o medo da PIDE e das suas limitações escrevera tal texto.

Lembro-me dessa história e nunca mais dela me esqueci.

E recordo-me sempre dela quando constato que alguém se afirma por espezinhar o outro, nem que seja pelas borbulhas ou pela forma como escreve.

Não é este o comportamento próprio dos grandes deste Reino.

Se é certo que a grandeza é uma realidade essencialmente comparativa, tal não quer dizer que se cresce com a inferiorização do outro. Tal apenas nos dá uma ilusão de superioridade momentânea ( uma ilusão interior, claro está).

Nós somos exactamente do tamanho da chama que arde dentro de nós ( Bismarck).

Afirmemo-nos pelas nossas grandes qualidades. Por aquilo que somos. Pela nossa chama

Pela nossa sensibilidade,
Pela nossa inteligência,
Pela nossa eloquência no uso da palavra e da escrita,
Pelo nosso raciocínio,
Pelas nossas capacidades fisicas,
Pela nossa arte

E que ninguém nos menospreze por sermos,

Feios,
Gordos,
Homossexuais,
Pretos,
Ciganos,
Iletrados,

Pode ser? O mundo seria um sitio melhor para viver.

Pax Profunda!




3 comentários:

Luís Alves de Fraga disse...

Gostei imenso deste texto. Transborda humanidade e deixa-nos uma pequena dor no peito.
Parabéns.

José Horta disse...

O episódio da Música Velha passou-se assim:
Em 1970 a Ivone Chinita e outros levaram a efeito uma série de iniciativas culturais: teatro, exposições etc.
Acontece que a Sociedade tinha um contínuo que era o Senhor Chico que se considerava habilidoso no ramo da pintura.
Querendo ser prestável resolveu fazer um cartaz,colocado à porta da Música, onde se anunciava o programa cultural.
O pior é que os seus conhecimentos eram muito reduzidos e o produto poderia estar muito colorido, mas apresentava erros de gramática.
Nenhum de nós teve coragem de retirar a "obra".
E o resultado foi que um grupo de professoras primárias ao entrar fizeram o espectáculo que contaste pensando certamente que o pessoal da "comissão cultural" afinal era de poucas letras.
O que até não era verdade.
O senhor Chico já tinha uma certa idade,estava convencido que era um grande pintor, mas ter-nos-ía sido mais prestável se nos perguntasse como se escreviam determinadas palavras.
Quanto ao resto a estória está certa: as "gajas" eram fascistas e depois do 25 uma tornou-se socialista e outra comunista...
José Horta

Pedro Horta disse...

Meu Pai,

Eu lembrava-me, muito parcamente, do que se tinha passado.
Mas para o efeito, vai dar ao mesmo.
Quando os actos envolvem um colectivo, é bem verdade o que dizes, e a vossa posição, pesando embora algum prejuízo para a comissão ( no entanto quem é que poderia sequer pensar que tu ou a Tia Ivone escreviam mal ?? ), foi a mais humana e fraterna.

Mas quando apenas dizem respeito ao individuo...é um humor de tasca.



Beijinho