terça-feira, 31 de março de 2009

Palavras aos Vento

Decidi ir beber um café ao Restaurante Coutada. Sábado de manhã.

Parei numa pequena feira da ladra que estava armada junto aos correios.

Tentando ouvir uma conversa de um grupo ( a conversa interessava-me, mas não é para este espaço), parei junto a um vendedor de nã-sei-o-quê. Fingindo apreciar as bugigangas que vendia.

Tocaste-me no ombro, chamando-me amigo. Olhei para ti e sorri, dei-te os bons dias, e perguntei o que fazias alí.

Então não vês? Vendo livros.

Olhei e voltei-te a sorrir. Esvoaçavam as folhas dos teus livros, não uma ou duas, mas todas. Perguntei-te se podia tirar uma fotografia à tua banca.

Disseste-me que gozava com o teu sofrimento. Já tinhas fumado meio maço de ventil com os nervos que sentias por ver assim, ao vento, os teus livros.

Deixa estar - disse-te - que o vento leve os teus livros e os espalhe pelo mundo.

Agora sorrias tu.

Queres ver algum? Tenho aqui umas coisas que te podem interessar.

Descartando a pornografia cientifica, e outros do género, escolhi quatro.

Dois teus,

um de xadrez para a minha Beatriz e um outro que agora não interessa.

Não tinha dinheiro, mas prometi que se fossemos beber um café, passaria por uma caixa multibanco.

Mas tu já não aguentavas ver os teus livros ao vento.

Sabes Pedro, disseste-me tu, há uns que não prestam, mas são todos livros, e não merecem ser assim tratados. Vou arrumá-los.

E assim, um por um, abriste as folhas, sacudiste a terra e colocaste-os no teu saco.

Enquanto isso contaste-me as histórias de todos eles.

Olha, este aqui é da década de oitenta...tem dois poemas meus...
No dia em que recebi o livro na minha casa, descobri que era coisa de velhos saudosistas...arranquei logo os meus poemas. Não quero os meus poemas neste livro.

Lá fomos. Já há muito que não te via.

Estás na mesma, Louco e Puro como sempre. Portador de uma inteligência que é notoriamente genial.

Disse-te que agora tinha um laboratório de fotografia, lá em casa, na cave...largaste, acto continuo, uma piada sobre químicos e ácidos. Pois claro.

Mas disseste-me também que agora sais no Expresso, que vêm de Universidades para te estudar e á tua Poesia.

Falaste-me até que houve uma investigadora que te entrevistou um dia inteiro. E tu a tentar levá-la para outras paragens igualmente irracionais.

Um dia inteiro.

Antes nem dois minutos te queriam ao pé. Incomodavas, não ficavas bem nas mesas dos amigos.

Também é verdade amigo... quando vinhas com o guarda chuva nos dias de Sol... Ou a falar dos mundos que, a pés juntos, juravas existirem em Marte... não era fácil.

Mas na manhã de Sábado gostei de falar contigo. Já há muito que não me agradava tanto uma conversa.

Continua a distribuir os teus cadernos de poesia e contra-cultura. Continua a incomodar.

Um dia olharão para ti e entenderão o teu valor, a tua genialidade.

E nesse dia todos exclamarão um rendondo e longo....

Ahhhh....quem diria.


" Se é lamentável
a existência de homens que
nunca na vida pararam para pensar,
mais lamentável ainda é que hajam tantos
que depois de terem aprendido a pensar
nunca mais pararam
para sentir"

Pedro Águas




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