quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Pensei que tinha saudades...

Se houve um filósofo em Portugal o seu nome é António Variações. O paradigma da insatisfação humana nunca foi tão bem sintetizado como em "estou bem, aonde não estou".
Eu explico:
Tirei esta fotografia com a pequena lata de rebuçados do lidl na praia de Melides. Aliás, no que resta de Melides.
Melides não era apenas uma praia, um areal, com direito à preservação, como todos os areais e dunas do mundo. Melides era um todo, e acima de tudo um simbolo da resistência ao mundo normalizado e etiquetado.
Era o Dunas, era o Ti António, eram as multidões de fim-de-semana, eram as ginjas, os cigarros de duvidosa marca fumados e partilhados, eram elas com o seu charme e a nossa embriaguez, eram as conversas, eram os desacatos, eram as bifanas, eram as roulotes dos turistas longínquos que nos pasmavam com as suas histórias, eram as cervejas bebidas em maior ou menor quantidade conforme o dia do mês, eram os minhoqueiros especialistas em assar frango, eram as barracas que um dia foram abaixo, eram as noites intermináveis ate ao nascer do sol, as discussões futeis travadas com os amigos de sempre, eram as dicas para se fugir à BT, eram os metros de cervejas quais torres inclinadas, eram os banhos ao luar com alguém que partilhava o segredo, eram as paixões consumidas no areal entre dois cigarros a coberto da noite, eram os segredos por todos partilhados, eram os camones e os seus cabelos, eram os anarcas do Melides Against Progress, eram os veraneantes do parque, eram os pretos de santo andré, os beatniks de álcacer, os arruaceiros de grândola...enfim, eramos nós todos que partilhávamos uma praia....
Mas um dia veio uma buldozzer, e todos fugiram.
E hoje Melides é apenas mais 2km de costa.
Para onde foram?
Se calhar não me interessa. Por momentos, pensei que tinha saudades...

4 comentários:

Anónimo disse...

Amigo tantas e tantas vezes sinto a falta da nossa "Melides", daquela mistura que fazia daquela praia a mais especial de todas. Nunca senti saudades de um lugar como sinto de Melides.Era quase que o conforto de um lar, um refugio onde podias ir "ser"...
Mistress C

Anónimo disse...

No youtube estão alguns vídeos sobre a última noite do Ti António...

vejam em

http://www.youtube.com/watch?v=a2RvHhWueT8

http://www.youtube.com/watch?v=RJQFngioI2A

já foi...

Anónimo disse...

Se há lugares onde o céu comunica com a terra, então melides era um deles. Uma porta para a felicidade, para a liberdade.
Era um lugar fora do tempo, fora do espaço. Com um ritual próprio animado pelo amor fraterno de cada ser humano que o compartilhava.
Desta forma, julgo não ser heresia, considera-lo como um verdadeiro Santuário. O Santuário da mais bela religião humana, fundada na fraternidade, liberdade e igualdade.
Assim foi.

Cristina H. disse...

As memórias ninguém nos tira. A meu ver, as coisas têm um tempo e espaço. Melides que vi no fim-de-semana antes da demolição não era a mesma que vi no dia em que conheci o João ou nas noites em que dancei em bikini em cima da mesa do Dunas. O Dunas fechou-se com Betão. Os U2 ouvidos no Lança deixaram de fazer sentido. O Castanho morreu, o Franjinhas fugiu. Os amigos e amantes seguiram em frente. Uns casados, outros alcoolicos. Uns saudosos, outros rancoros. A Lagoa, essa coitada, não conseguiu fugir à poluição de um parque de campismo que tudo faz para se camuflar de quimicos dos arrozais.
Os bons momentos... Esses estão lá, bem guardados, em todos nós. E todos nós sabemos onde os revisitar quando quisermos. Não mais teremos 18 anos anos e mesmo que tudo continuasse igual, nós continuaríamos em mudança. Como continuamos. Como continuaremos até morrer.
Talvez o fim de Melides, como o conhecemos em tempos, seja o apelo da efemeridade. Tudo o que é bom acaba ou torna-se menos bom. Temos que saborear as coisas enquanto nos sabem bem e sabermos passar à frente quando elas acabam ou perdem o sabor.
Para mim, Melides já não era o que tinha sido e, acaso tivesse continuado, seria cada vez menos a Melides do meu imaginário.
As memórias ninguém mas tira. As lágrimas das saudades, ninguém mas seca. Melides é e foi isso.