Publico e divulgo um artigo da Mara Martins, Jornalista da nossa praça, que um dia me perguntou o que era fotografar com uma lata de sardinhas.
 "Têm um gosto especial por câmaras fotográficas artesanais  que, muitas vezes, eles próprios constroem, resultando em máquinas de  toda a espécie. Se um dia vir uma pessoa com uma lata de sardinhas  apontada a um monumento, não se assuste. É uma pinhole.
Pode ser conhecida por dois nomes: fotografia estenopeica – do grego stenopo, pequeno  furo ou, mais vulgarmente, pinhole – do inglês pin-hole, “buraco de  alfinete”. A sua origem, tal como de toda a fotografia, vem da câmara escura,  invenção no campo da óptica, que consiste na ideia de que se tivermos  uma caixa com completa ausência de luz no seu interior e lhe fizermos um  pequeno furo, será possível ter a realidade exterior projectada no  interior da caixa.
A fotografia estenopeica é assim a que se aproxima mais deste  conceito, pois só acrescenta a colocação de um papel ou filme  fotográfico no seu interior. “Na minha opinião deve ser utilizada como  um dos recursos para se entender a fotografia, o seu nascimento e  percurso”, explica José Reis, designer gráfico. “Ao ler os princípios da  câmara escura reparei que esta seria a forma mais natural de obter  imagens”, refere Pedro Horta, oficial da Força Aérea.
Sendo esta a base de todas as outras formas de fotografia, é também a  mais simples. “Li um artigo sobre o tema e nesse mesmo dia procurei  planos de construção, furei uma lata de feijões e tirei uma fotografia”,  conta Pedro Horta. José Reis tinha cerca de quinze anos quando foi a  uma exposição de fotografia pinhole de Regina Alvarez. Quando chegou a  casa construiu uma igual à que ela apresentava: “Fui à despensa e  encontrei uma lata de chá. Esvaziei-a à socapa da minha mãe e construí a  minha primeira câmara”, revela.
O material é fácil de arranjar e barato, na maioria das vezes “lixo”  reutilizado e passível de ser reciclado. Assim nascem câmaras  fotográficas do que antes eram latas de sardinhas ou de rebuçados,  caixas de fósforos e de sapatos. Mas também podem ser mais sofisticadas,  construídas com madeira, contraplacado ou plástico, ou mesmo máquinas  convencionais adaptadas. O importante é que o tamanho do furo seja  proporcional à distância focal (espaço entre furo e lado da caixa onde  imagem é projectada), para se conseguir obter uma fotografia nítida e  focada. No limite, existem tabelas de cálculo para um resultado preciso.
Assim, o problema não parece estar tanto em construir as câmaras, mas  sim em sair com elas à rua. “Sou uma pessoa recatada e torna-se difícil  sair com uma lata de sardinhas e começar a fotografar. Em Évora fui  chamado de louco em plena Praça do Giraldo”, conta Pedro Horta. José  Reis teve uma experiência semelhante: “Lembro-me da vergonha que passei  quando fui tirar uma fotografia junto à ponte D. Luís, no Porto. A cara  de espanto e de desconfiança das pessoas ao verem-me apontar uma caixa  de madeira em cima de um tripé”.
O limite é a imaginação
António Leal, fotógrafo e professor no Instituto Português de  Fotografia, destaca na fotografia estenopeica a possibilidade de se  decidir o formato das imagens, “sem a sujeição à «ditadura do formato»”,  explica. “Ela abre as portas a toda a exposição das nossas opções e  decisões. É mais nossa”. É caracterizada também pela sua simplicidade,  imprevisibilidade dos resultados e potencialidades estéticas. Sem um  visor por onde se “espreitar” e com a possibilidade de se fazer  distorções e efeitos, o resultado é sempre uma surpresa. “É a magia da  fotografia estenopeica”, revela Pedro Horta.
O único limite da fotografia pinhole parece ser mesmo o uso da  imaginação. Esta está presente na construção das próprias câmaras, pois  podem ir da mais insignificante caixa até mesmo a um quarto ou carrinha.  “Construí uma câmara escura utilizando o meu quarto”, conta José Reis.  Basta ter uns plásticos pretos opacos e calafetar muito bem portas e  janelas, para que o quarto fique absolutamente sem luz. “No meio da  janela fiz um buraquinho no plástico com o diâmetro de uma moeda de 10  ou 20 cêntimos. Depois a imagem da rua forma-se na parede oposta à  janela”.
A possibilidade de escolha dos temas fotografados também é infinita.  Como nas câmaras convencionais, com uma pinhole tudo pode ser  fotografado. Apenas é preciso ter paciência para o tempo que demoram as  exposições, que pode ir de poucos segundos até mais de uma hora, e  adequá-lo à quantidade de luz do local e ao tamanho da câmara. Mas  também se pode recorrer à imaginação na criação de efeitos. Um papel  curvado origina distorções e a criação de mais do que um furo na câmara  dá lugar a imagens sobrepostas e duplicadas, por exemplo.
O fundamental é praticar. Fazer muitas experiências, com materiais,  tempos de exposição, enquadramentos, efeitos estéticos. Este tipo de  arte é, sobretudo, experimental, e para melhores resultados apela mesmo à  anotação desses elementos técnicos e comparação dos mesmos e das  fotografias obtidas. “As opções de trabalho que proporciona são tão  variadas que destacaria o que, para mim, resume o processo fotográfico  em si: aprender”, refere António Leal.
Sensibilizar os mais novos para o tema da fotografia
 Para os praticantes de fotografia pinhole é  importante divulgar a actividade junto dos mais novos. “Uma das suas  potencialidades é sensibilizar as camadas jovens para o tema da  fotografia”, diz José Reis. No Instituto Português de Fotografia surgiu  uma actividade extra-escolar ligada à fotografia estenopeica: o clube  “Buraco de Agulha”, por iniciativa de António Leal. “Realizamos, já ao  longo de vários anos, encontros, oficinas, exposições”, explica. Pedro  Horta procura promover acções de dinamização cultural e social junto de  escolas e associações. “Percebi que esta técnica era utilizada  instrumentalmente como forma de intervenção social”, conta.
Por outro lado, também é comum a utilização das potencialidades da  Internet para a divulgação deste tipo de arte fotográfica. António Leal,  dada sua ligação profissional com a fotografia, mantém dois sites  dedicados à pinhole, e outros que tratam a fotografia de modo mais  geral. José Reis utiliza o seu blogue essencialmente para expor o seu  trabalho. Já o de Pedro Horta “é um blogue com meia dúzia de visitas  diárias”, confessa. “Faço-o essencialmente para mim. Contar aos outros o  que fazemos, torna-nos mais exigentes para connosco próprios”.
“Apenas com aquilo que somos, com aquilo que temos, podemos ser tudo aquilo que quisermos.”, Pedro Horta
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Artigo por :
Mara Gonçalves
Atelier de Jornalismo
Ciências da Comunicação - Universidade Nova de Lisboa
4 comentários:
Este post fez-me sorrir. Que bom ouvir contar as peripécias de outras pessoas que saem à rua com máquinas fotográficas pinhole. Indentifico-me totalmente com o que o Pedro disse. Eu começei a tirar fotografias pinhole em Londres logo a seguir às explosões das bombas em Bricklane, Soho e Brixton. Havia muita gente com medo e desconfiada.
Numa ocasião pus uma caixa em cima de uma árvore presa com fita eléctrica preta e fui sentar-me num banco do parque ao pé de outra máquina. Antes de ter acabado de tirar a fotografia vi um sujeito que agitava furiosamente a caixa; queria levá-la ao posto da polícia. Quem é que faria explodir uma árvore num parque em que não havia vivalma? Houve também outros incidentes em lugares públicos em que seguranças me pediram para me ir embora ameaçando-me chamar a polícia. Por fim fiquei tão cansada de todo este tipo de incidente cada vez que saía à rua que optei por tirar fotografias dentro de casa.
Em Portugal lembro-me de estar ao pé do Elevador de Santa Justa e de passar um senhor que deu três pancadinhas na "máquina" (com papel 20"x24") e depois perguntou-me "Mas o que é que está aqui dentro?". Mas também houve pessoas que se encostaram à caixa ou outras que passavam e casualmente lhe punham uma mão em cima como quem se agarra a um corrimão.
Já há muito tempo que não tiro fotografias pinhole mas espero recomeçar este Verão.
Lembrei-me de Miroslav Tichy, talvez já conheça... Também fazia as suas próprias máquinas fotográficas. Primeiro pensei que eram esculpturas, quando li sobre o seu trabalho fiquei surpreendida por as máquinas fotográficas funcionarem mesmo! Fica aqui um link
http://www.flickr.com/photos/larsdaniel/3023388562/
Minha cara,
Agradeço a sua visita e as palavras que deixa: Enriquecem-nos.
Volte rapidamente a fotografar em Pinhole ... fico a aguardar que me envie uma fotografia para colocar aqui neste espaço.
Agradeço igualmente o link. Não conhecia.
Volte sempre.
Reparo que Miroslav morreu na semana seguinte a ter sido publicado este post.
Estranho homem este que afirmava que o principal era ter uma má câmara....
Decerto que os seguranças o expulsariam de qualquer parque.... seja ele em Évora, Londres ou Lisboa.
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